Meghan Markle: uma mestiça na realeza britânica após 257 anos
Foto: Reprodução / O Estado de S.Paulo
Filha de uma negra, Meghan Markle aproxima identidade britânica da composição étnica real da população
Jean Carter
nunca se preocupou em sair à rua para assistir a alguma aparição da
família real. Mas quando o príncipe Harry e sua noiva Meghan Markle
visitaram Brixton este ano, ele comprou um buquê e enfrentou uma tarde
gelada para ver o casal.Filha de uma negra, Meghan Markle aproxima identidade britânica da composição étnica real da população
E ficou feliz ao ver Harry, o filho de barba ruiva da princesa Diana, morta em 1997. Imigrante da Jamaica, Carter 72 anos, na verdade queria ver Meghan, a atriz americana mestiça que hoje é objeto de fascinação na Inglaterra.
Brixton, situado ao sul de Londres, onde convivem múltiplas etnias, é núcleo de uma geração fundadora de imigrantes afro-caribenhos. É um local de convergência tão importante para a história da diáspora africana que os historiadores ingleses chamam a região de capital negra da Europa. Quando o então presidente sul-africano, Nelson Mandela, esteve na Grã-Bretanha em 1996 ele visitou o Palácio de Buckingham – e Brixton.
Meghan Markle
Príncipe Harry e Meghan Markle (Foto: Kirsty Wigglesworth / Pool via Reuters)
Mas o que significa ter um membro mestiço na monarquia após o casamento de Harry e Meghan no dia 19?
Membros mestiços dentro da realeza na Inglaterra são tão raros que é preciso viajar muito distante no tempo, para antes da Revolução Americana, para encontrar alguém com esse perfil: alguns historiadores acreditam que a rainha Charlotte, mulher de George III, tinha ascendentes negros.
Para muitos negros britânicos, vale a pena comemorar o fato de que a família que simboliza a identidade britânica terá um ar um pouco mais moderno como a Grã-Bretanha, especialmente Londres, que tem registrado números crescentes de casamentos inter-raciais.
Um mês após anunciarem que estavam noivos, as redes sociais do Palácio
de Kensington divulgaram as fotos oficiais do noivado
do príncipe Harry e Meghan Markle
Afua Hirsch, autora do livro Brit(ish): One Race, Identity and Belonging, está ansiosa para ver o que Meghan vai provocar e como sua chegada ao Palácio de Kensington poderá mudar a sociedade.
Como é uma dinastia inteiramente branca, a família real “influencia a percepção dos britânicos no sentido de terem uma identidade branca”, disse ela. Mas ter um membro na realeza que é mestiça “mudará a mensagem do subconsciente sobre o que significa ser britânico”, acrescentou.
Por muitas razões, raça não é um assunto discutido abertamente na Grã-Bretanha como é nos EUA. E quanto esse tema emerge, o tom da conversa pode soar estranho aos ouvidos americanos, como no caso da manchete do Daily Mail: “Agora, isto é mobilidade social! Como, em 150 anos, a família de Meghan Markle, de escravos das fazendas de algodão chegou à realeza por meio da liberdade conseguida na Guerra Civil americana...”
Os britânicos discutem a questão da “imigração” como equivalente a raça, disse Nels Abbey, ex-colunista do jornal britânico Voice e coautor do livro Think Like a White Man.
Menos de uma semana após oficializarem o noivado, Harry e Meghan
tiveram seu primeiro dia de trabalhos reais juntos
As pessoas “jurarão por Deus que, ao falarem sobre imigração, não estão se referindo a raça, quando nitidamente estão”, disse Abbey, acrescentando que no contexto da imigração “eles jamais falam sobre pessoas brancas da Austrália”.
“Se você aceita que o debate sobre imigração é um debate racial, então na Grã-Bretanha fala-se sobre raça mais do que qualquer outra coisa. Se não aceita isso, então os britânicos não abordam absolutamente essa questão”.
Meghan, por seu lado, é sincera. Escrevendo na revista Elle, em 2016, ela lembrou ter ficado confusa quando, ainda garota, não sabia se escrevia “branca” ou “negra” num formulário. Sua mãe, Doria Ragland, é negra, e seu pai, Thomas Markle, é branco.
“Embora minha herança mestiça possa ter criado uma situação não muito clara sobre minha identidade, me mantendo numa posição dúbia, acabei aceitando isso e afirmar quem eu sou, de onde venho, expressar meu orgulho em ser uma mulher mestiça forte e confiante.”
O príncipe Harry, também, tem sido direto em sua defesa. Um comunicado extraordinário emitido pelo palácio em novembro de 2016 condenou a cobertura da mídia sobre a relação do casal que começava, as “conotações raciais” dos artigos, “o sexismo e racismo dos trolls na mídia social e comentários na internet”.
Tais comentários continuaram em ebulição. Este ano, o líder do Partido Independente UK, que teve um papel fundamental no referendo do Brexit, foi alvo de críticas e acabou perdendo o emprego – após sua namorada enviar mensagens de texto dizendo que negros eram “repulsivos” e Meghan “mancharia” a família real.
Depois de ser nomeado embaixador da juventude da Commonwealth, o príncipe Harry revelou que “a mulher com quem vou me casar”, se uniria a ele nessa nova função. A Commonwealth, presidida pela avó do príncipe, a Rainha Elizabeth II, inclui 53 nações que outrora fizeram parte do Império Britânico, incluindo o Canadá, Austrália, Índia e Paquistão e dezenas de país da África e do Caribe.
É possível que o papel do casal se torne global e impulsione não só a marca da Casa de Windsor no exterior, mas a diplomacia branda da Grã-Bretanha, já que a benevolência anda escassa atualmente.
Meghan Markle
Peônias e rosas brancas estão entre as flores que vão decorar o casamento
de Meghan com Harry(Fotos: Jeremy Selwyn/Reuters)
Com relação à Grã-Bretanha, Meghan encontrará diferenças. O Reino Unido é 87% branco, os negros constituem 3% da população, em comparação com mais de 13% nos EUA. A Grã-Bretanha foi uma nação que comercializou escravos e sua economia colonial tinha como base o trabalho escravo e a opressão. Mas, ao contrário do Sul dos Estados Unidos e das ilhas do Caribe, as fazendas da Inglaterra não foram cultivadas por escravos negros. Muitas famílias britânicas negras chegaram aqui a partir dos anos 50.
O país não teve o mesmo tipo de movimentos em prol dos direitos civis que existiram nos EUA. A segregação não foi contemplada em lei como nos EUA. Quando distúrbios irromperam em Brixton na década de 80 foi porque a Grã-Bretanha estava vivendo uma espécie de movimento como o Black Lives Matter, com os moradores negros se manifestando contra o fato de serem tratados duramente pela política.
A história da união virou tema de um filme para a televisão
feito pelo canal Lifetime(Foto: Reprodução)
Hoje, muitos negros no país são parte, ou descendentes, da geração Windrush – cidadãos da Commonwealth do Caribe que foram recebidos na Inglaterra para reconstruir o país e preencher a escassez de mão de obra pós a 2ª. Guerra.
Nos últimos anos, à medida que o país passou a adotar medidas severas contra a imigração ilegal, os imigrantes Windrush que não conseguiam fornecer documentação provando que estavam no país legalmente perderam seu emprego, ficaram sem assistência médica e em alguns casos foram ameaçados de deportação.
Merle Mitchel, enfermeira de 57 anos que passeava por um dos mercados de rua em Brixton, disse não ser simpática à realeza, mas que Meghan poderá mudar sua percepção sobre a monarquia, por causa da sua raça e também do seu ativismo.
“Quando Diana morreu, deixei tudo de lado. Mas acho que Meghan pode restaurar uma parte do que se foi. Não digo isso porque ela é mestiça, mas porque vejo as mesmas qualidades nela, seu humanismo, e isso realmente me inspirou.
Merle disse que não existe ninguém no palácio que uma mulher negra possa apontar e dizer “essa pessoa parece comigo”. “Precisamos de um pouco de cor na família real”, afirmou.
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